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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

RESPONSABILIDADE SOCIAL E COMPAIXÃO PARA COM OS EXCLUÍDOS

Marcelo Santos
Pastor, Historiador e professor da FTBSP

Introdução:
Em primeiro lugar quero agradecer a Deus pela visão dada a liderança do Seara Urbana na iniciativa da realização deste projeto. Bandeiras como esta não são fáceis de serem erguidas. Segundo afirma Comblin em seu texto Desafios aos Cristãos do Século XXI, iniciativas como esta “serão sempre limitadas e destinadas a serem corrigidas numa fase posterior da história. A completa realização nunca se dará. Sempre haverá aspectos positivos e negativos. Sempre suscitará a oposição dos conservadores e dos utopistas, por ser realista e atrevida ao mesmo tempo.” 1

Parabéns!!! Tenho imensa alegria em conhecer este Ministério, sob a liderança de uma equipe tão capacitada nas mais diversas áreas, comprometida com o Senhor e com a visão voltada para aqueles que ninguém quer ver: a grande massa de excluídos de nossa sociedade, sociedade esta que inclui os cristãos e suas agências.

Exclusão Social
Para falar sobre Responsabilidade Social e Compaixão para com os Excluídos, antes de mais nada é preciso entender o que é exclusão social.
Comblin afirma que o mundo dos excluídos veio para ficar. Ele é “produzido pelo sistema econômico atual, que vai gerando cada vez mais exclusão.”2

Segundo dados da ONU, em 1995 a população em extrema pobreza chegou a um bilhão e trezentos milhões de pessoas, dos quais dois terços são mulheres. Uma em cada cinco pessoas no mundo sofre de pobreza extenuante e sobrevive com menos de um dólar por dia. Mais de um bilhão de pessoas carecem de serviços básicos; uma em cada 100 pessoas é imigrante ou refugiada, e um em cada quatro adultos é analfabeto. Em um planeta que consome realidades virtuais, a cada dia um quinto da população não tem o que comer, enquanto que oitocentos bilhões de dólares, o que equivale a renda da metade da população mundial, são gastos anualmente em programas militares.

Este é um pequeno retrato de uma época que pode ser caracterizada como a “época das perplexidades”3
No primeiro mundo, os excluídos constituem 1/3 da população, e no terceiro mundo 2/3. A exclusão social não é uma exclusividade dos países de Terceiro Mundo. Na América Latina existem os bolsões de riqueza no meio de um mar de pobreza, ao tempo em que na América do Norte, por exemplo, são visíveis os bolsões de pobreza no meio da riqueza.4 O fato novo é a apartação que se dá entre este dois grupos sociais.

Esse abismo das desigualdades sociais, internamente, nos diversos países, e o verdadeiro sistema de apartação social em escala mundial, vem criando duas vertentes humanas tão distintas a ponto de uma considerar a outra como destituída dos atributos e direitos de qualquer ser humano.5

Nas sociedades pré-modernas o homem trabalhava para viver. Nas sociedades capitalistas, as pessoas passaram a viver para acumular riquezas. O problema é que esta busca ilimitada de riqueza pela riqueza produz efeitos como a grave crise social que vemos hoje. Crise essa que se expressa na pobreza e nos contrastes sociais.

Depois da inviabilidade da promessa de um mundo rico e sem desigualdades feita pelo pensamento liberal, através do seu mito do desenvolvimento em suas diversas teorias, o neoliberalismo, ideologia hoje dominante nem tem mais a preocupação de se mostrar como portadora de solução para os problemas sociais da população como um todo. Por conta disso, assume-se a desigualdade social como um fato inescapável e desenvolve-se uma cultura de insensibilidade.

Essa cultura é fruto de diversos fatores históricos e sociais, além de outros de ordem antropológica.
Existe na sociedade a idéia da inevitabilidade das desigualdades e da exclusão social. Com a queda do bloco comunista e a conseqüente falência de um modelo alternativo, surgiu a tese de que o capitalismo representava o “fim da história”.6 Segundo ela não há nenhuma alternativa possível, e sendo assim, a atual situação social passou a ser vista como não só inevitável, mas justa.

Além disto esta exclusão é também vista como benéfica, uma vez que sendo o neoliberalismo a ideologia hegemônica do nosso tempo, a compreensão é de que o aprofundamento da exclusão e das desigualdades sociais é um bom sinal. Isto porque esta desigualdade é para eles “o motor do progresso econômico, porque incentiva a competição entre as pessoas e é ao mesmo tempo, o resultado de uma sociedade baseada em competição. Além disso segundo eles, a crise social que é sempre vista como passageira, seria o sinal de que a economia esta indo no bom caminho da desregulação e do fim das intervenções do Estado, com vistas a metas sociais”7 Tudo isso baseado no equívoco de identificar o crescimento econômico com o desenvolvimento humano e social.

A questão é que os excluídos vivem ou conseguem sobreviver encontrando brechas no sistema. Vão formando um mundo próprio, separado, com sua própria cultura e relações sociais próprias. Seu mundo é um mundo pequeno, mas que permite viver.

Uma Falsa Reposta
Diante disso a igreja continua a fazer o discurso da opção pelos pobres e excluídos. No entanto, quando examinado o comportamento real, mota-se com evidência que a igreja está fazendo opção pelos incluídos e perdendo o contato com os excluídos.
A influência da igreja na sociedade tem sido mínima. O que muitas vezes se espera da igreja é que ela legitime o sistema e dê alguns remédios de consolo às vitimas. Se ela se dedica a isto terá um lugar privilegiado. Se não fizer assim será marginalizada.8

O afastamento das origens neotestamentárias, é um grande risco para a igreja do Século XXI. Este afastamento é marcado pela fuga da pobreza e entrada no mundo da segurança, da propriedade e da cultura dominante. Toda igreja tende a subir socialmente e, ao mesmo tempo separar-se do mundo dos excluídos. Foi assim com os monges antigos e com as primeiras comunidades cristãs e com a grande maioria das fundações religiosas no decorrer dos tempos. Começam com a presença no mundo dos pobres e, depois de um século, passa para o mundo dos ricos.

Por conta disso, falsas respostas têm surgido. Exemplo disto é a teologia da prosperidade. Ela chegou ao Brasil em meados da década de 70, trazendo uma nova concepção sobre a fé. Bastava crer para ter acesso ao “céu” aqui na terra. Saúde perfeita, excelente moradia, altos salários e poder passaram a ser acessíveis. Entretanto, como demonstra o Paulo Romeiro em sua tese de doutorado agora publicada9, a teologia da prosperidade carece de fundamentação bíblica, logo está longe de ser a verdade. A criatividade sem limite de seus propagadores, reinventando-se continuamente, apresenta novidades irresistíveis àqueles que precisam agarrar-se à esperança de uma condição de vida mais digna. Deus foi transformado num gordo e avaro banqueiro que está pronto a repartir suas benesses para quem pagar bem, assim, o fiel é aquele que paga e o faz pela fé. Qualquer semelhança com a prática das indulgências da Idade Média, certamente não é mera coincidência. Esta é a realidade de parte considerável da igreja evangélica brasileira do início do século XXI. Paulo Romeiro resgata o sentido bíblico da graça de Deus, revelando que por mais que façamos para Deus e por mais caro que isto nos custe, sua graça é um favor imerecido — nenhum dinheiro do mundo consegue comprá-la. Esta talvez seja uma das principais tarefas pastorais deste início de século — estender as mãos àqueles que, frustrados, já não mais acreditam que Deus se importa com eles, cidadãos de um Reino em que riqueza, poder e prosperidade não são pré-requisitos para nele serem admitidos.

Essa teologia da saúde e da prosperidade, surgiu na primeira metade do século XX, nos Estados Unidos. De acordo com essa doutrina, o cristão não deve ser atingido pelas vicissitudes da vida, assunto atraente nos dias de hoje. Muito longe da exaltação da indigência, cara a uma certa tradição católica, sua retórica consiste em proclamar que a pobreza não faz parte dos propósitos divinos. Pelo contrário: tendo criado o ser humano a sua imagem, Deus deseja distribuir riqueza, saúde e felicidade àqueles que têm fé e a exprimem intensamente. Sem nada a perder, mas tudo a ganhar, o fiel é incentivado a apostar tudo para que, de imediato ou em curto período de tempo, qualquer situação de revés mude radicalmente, experimentando assim o sentimento de já estar no caminho da prosperidade.

O Desafio da Compaixão
O desafio é a presença da igreja no mundo dos excluídos. Não basta condenar o sistema neoliberal em vigor. É necessário, mas não basta, porque nada vai mudar por causa disso.
Hoje o mundo dos excluídos está esmagado por um sistema tão forte, tão seguro de si mesmo, que pode dar-se ao luxo de sequer perceber a existência dos excluídos.

Isto nos lembra a situação dos cristãos no império romano antes de Constantino. A força do império era total. Uns tinham todos os poderes, e outros nenhum. A metade dos habitantes era de escravos ou libertos ainda dependentes de seus antigos senhores. Durante 250 anos as comunidades cristãs pobres tiveram de agüentar o peso de uma sociedade que era o contrário de tudo o que estava no evangelho. Mesmo assim conseguiram revelar o Reino de Deus pela sua vida e resistência.

Fica para o cristianismo a interrogação sobre a sua capacidade de manter firme o norte inspirador de seus inícios, quando Paulo anuncia a queda dos “muros da separação” erguidos e mantidos ferrenhamente entre os diferentes.
Paulo anunciou um cristianismo que abolia todos os tipos de exclusão: de caráter religioso que separava judeus e gentios; de caráter econômico e social que dividiam escravos e livres e de relações de gênero que consagravam a supremacia de homens sobre mulheres10.

Atualmente o cristianismo se quiser manter sua credibilidade, tem o dever de encontrar-se na linha de frente da eliminação de todo e qualquer tipo de exclusão.
Segundo afirma John Sttot, “muitos estão dispostos a cumprir a ordem para evangelizar, mas não ouvem o chamado a ocupar-se dos pobres, dos enfermos, dos famintos e dos desesperados.”11

O maior exemplo sem dúvida é o de Jesus.
No sermão de Evangelização que pregou na casa de Cornélio, Pedro apresentou Jesus como “aquele andou por toda parte fazendo o bem porque Deus estava com ele.” (Atos 10:38)
As atitudes de Jesus foram, na verdade, frutos de sua própria compaixão. Esta era a motivação suprema de seus serviços. Jesus se comovia profundamente ao ver a necessidade humana, e isso o movia a ação. Em cada caso foi uma tremenda necessidade humana que despertou o interesse de Jesus.

Marcos 1: 40 Um leproso aproximou-se dele e suplicou-lhe de joelhos: "Se quiseres, podes purificar-me!" 41 Cheio de compaixão, Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: "Quero. Seja purificado!"

Lucas 7: 11 Logo depois, Jesus foi a uma cidade chamada Naim, e com ele iam os seus discípulos e uma grande multidão. 12 Ao se aproximar da porta da cidade, estava saindo o enterro do filho único de uma viúva; e uma grande multidão da cidade estava com ela. 13 Ao vê-la, o Senhor se compadeceu dela e disse: "Não chore". 14 Depois, aproximou-se e tocou no caixão, e os que o carregavam pararam. Jesus disse: "Jovem, eu lhe digo, levante-se!"

Não eram somente as necessidades individuais que despertavam a compaixão de Jesus mas também as necessidades das multidões que ele viu como “ovelhas sem pastor” (Mateus 9:36); ou “porque havia muitos enfermos entre eles” (Mateus 14:14); ou “porque não haviam comido por vários dias e estavam famintos” (Marcos 8:2,3 / Mateus 15:32)
Jesus sentiu compaixão: a palavra mais forte em grego que possa expressar a piedade de um ser humano pelo outro. A palavra vem do mesmo substantivo de entranhas. Um sentimento que move a fazer algo para mudar a situação.

A seqüência era sempre a mesma. A primeira coisa que fazia era ver. Os olhos de Jesus jamais estiveram fechados à necessidade humana. Em contraste ao sacerdote e o levita da parábola do bom samaritano, Jesus viu corretamente, pois não temia encontrar-se cara a cara com a necessidade humana e toda angustiosa realidade. E quando viu foi movido inevitavelmente à compaixão e a um serviço efetivo. “A motivação para a ação passou dos olhos ao coração e daí para as mãos. Tinha sempre compaixão ao ver a necessidade humana e sempre a demonstrava com ação positiva.”12
Demonstramos a nossa compaixão quando nos damos aos excluídos livremente em serviço.

Considerações Finais
É possível agir no meio dos excluídos? Sim, pois não existe sistema tão fechado que não nos deixe brechas. O sistema não pode nem precisa controlar tudo.
John Stott declara o seguinte: “é incrível que como cristãos tenhamos chegado ao extremos de colocar a evangelização e a ação social em oposição, como se mutuamente se excluíssem. Ambas devem ser autênticas expressões de amor ao próximo.

Quem é o meu próximo, a quem devo amar? Não é um corpo sem alma, nem uma alma desencarnada, nem um individuo solitário alienado de um contexto social. Deus o criou como uma unidade integral e físico espiritual, que vive em comunidade”.
Nossa justificação é realmente só pela fé. No entanto, onde quer que os escritores do NT se referem à fé verdadeira, a fé vivente e salvadora, esta vem acompanhada, inevitavelmente por boas obras.

A teologia, as igrejas e os cristãos devem assumir esta tarefa de pensar e agir de um modo criativo, para que a nossa fé tenha de fato uma importância real na defesa da vida dos excluídos.


1 Comblin, José. Desafios aos Cristãos do Século XXI.3ªed. São Paulo:Paulus,2004.p.21
2 Comblin, p.07
3 Dreifuss, René A. A época das perplexidades: Mundialização, globalização e planetarização.-novos desafios. Petrópolis:Vozes,1996.
4 Sug, Jung Mo – Exclusão Social: um tema teológico?
5 Beozo, José Oscar. Grandes questões da caminhada....
6 Fukuyama, Francis. O fim da história e o último homem
7 Sung, Jung Mo. Pg. 152,153
8 Comblin, p. 15
9 Romeiro, Paulo. Decepcionados com a Graça....
10 Beozo, José Oscar....
11 Stott, John R. A compaixão de Jesus....
12 Stott, John R.

Gentilmente escrito para a SEARA URBANA

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