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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A RELEVÂNCIA DA IGREJA NO SÉCULO XXI



Cacau Marques


Barulhentas, enganadoras, ilicitamente ricas, auditórios para charlatães, promotoras da intolerância, clubes de fanáticos. Outrora respeitáveis comunidades de fiéis, oásis de paz em meio o caos urbano, as igrejas são vistas hoje como inconvenientes da vida urbana. A verdade é que a imagem cândida e sagrada da Igreja parece estar manchada pela imoralidade, desonestidade e soberba. Quem está de fora não vê nenhum benefício na sua existência. Mesmo quando há algum tipo de ação de transformação social, ela é vista como oportunismo ou assistencialismo. Hoje se confia mais em ONGs seculares que realizam trabalhos sociais do que em instituições confessionais. Isso porque as primeiras não têm interesse na conversão do assistido, o que lhes dá uma imagem mais altruísta.

A tentação do secularismo extremista é a de abolir a Igreja, extinguindo com ela todos os danos nocivos decorrentes de sua existência. Imagine no religion dizia John Lennon na década de 70 e suas palavras voltam com força no novo milênio. Diante desses ataques, os cristãos tentam se defender, mas encontram-se em um dilema. Se escolhem defender-se através de argumentos teológicos, não convencem aqueles que não crêem de sua importância. Baseiam-se apenas nas necessidades morais e sociais a que tentam dar resposta, perdem seu propósito transcendental e podem ser substituídos por uma instituição de caridade ou uma escola. Afinal de contas, pra que serve a Igreja?

Um pesquisador honesto faria essa pergunta para a pessoa certa, ou seja, para um dos muitos fiéis que ainda acreditam na Igreja. Sociólogos e antropólogos contemporâneos têm feito esse caminho e observado uma atuação verdadeira e intensa da Igreja em resposta a sérias questões sociais.

Estudos de gênero mostram que a Igreja evangélica opõe-se ao machismo com mais sucesso que o próprio feminismo. Estudiosos vêem na atuação dos evangélicos nas comunidades carentes uma força efetiva contra o império do tráfico; nas palavras de Zuenir Ventura “Mais do que a polícia, a Justiça, a Igreja Católica, a família e a escola, os evangélicos são a contracultura da droga”. O índice de analfabetismo entre os evangélicos é, e sempre foi, inferior à taxa nacional, mesmo em contextos de maior pobreza.

Como a Igreja, surrada e manchada, pode ter tão bons resultados em questões que não são resolvidas pelas forças políticas e policiais? Como podem combater o machismo melhor que o próprio feminismo? Como diminuem o nível de analfabetismo entre as crianças? Vale ressaltar que nenhuma dessas ações é o centro do discurso da Igreja. Elas não falam de Deus, de Espiritualidade, de Salvação. Elas apontam para uma mudança na vida cotidiana das comunidades, principalmente as mais carentes. De onde vem então essa atuação social que não é comparável a nenhuma outra instituição do mundo?

Aí paira a relevância inalienável da Igreja. Ela é a reunião dos que celebram o transcendente transformando o imanente. A Igreja é o último refúgio da utopia em um mundo sem ideologias e fronteiras. Ela é um marco de que um outro mundo não é apenas possível, mas é uma realidade absoluta. E esse outro mundo impõe uma nova vida neste nosso mundo e uma nova verdade. E esse outro mundo estabelece um sentido para a existência, uma esperança para a busca da reabilitação de quem quer que seja.

A Igreja anuncia o soerguimento da humanidade caída, não através de sistemas impostos de cima pra baixo, de políticas enfiadas pela garganta do povo, mas pela transformação vinda de baixo pra cima, do coração para a comunidade, da manjedoura para o trono celestial. A igreja crê que há algo além do que é natural e humano e, por isso, crê nos milagres mais absurdos como a libertação do crack ou a desistência do suicídio. Crê, e crê até o final porque sabe que há algo de eterno na existência e que o Eterno pode tudo em todo tempo.

Ela prega o caminho oferecido a todo homem, independente de poder, riqueza ou força. Dá voz a todos, porque aproxima todos a quem é maior que todos. Deu voz aos negros através de Martin Luther King e Nelson Mandela, aos latinos através de Leonardo Boff e Juan Luís Segundo, dá voz e vez a milhões de excluídos em todo o Brasil que encontram a igualdade ao adentrar em suas portas. É o único lugar em que o doutor ouve e respeita a opinião da mais simples dona de casa, porque espiritualidade não se trata de diplomas e títulos, mas de piedade e devoção.

Ela anuncia uma nova ordem, que nada mais é do que a restauração da mais antiga das ordens, a ordem da Criação. Anuncia a restauração do propósito da vida e convida todos a participar da comunhão plena, pois “Cristo é tudo em todos”. Nela o próprio Deus é “Conosco” e caminha ao lado do homem, como no Éden, na viração e no raiar de cada dia.

Quanto mais a Igreja se esquece disso, mais se afasta de seu propósito e menos poder tem no mundo que clama. Cai assim na irrelevância, no frio discurso escatológico celestial, nas promessas mágicas de milagres egoístas, sem fazer-se sinal do Céu na Terra. E quando isso acontece, o mundo torna-se um lugar com menos esperança.


Gentilmente cedido para a SEARA URBANA

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